textos ocultos

Jamile Ferreira, 16.jan.2007

 
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Eu, dentro dos meus textos ocultos,
categoricamente, sou outra pessoa.
Muito outra.
Corajosa para me meter em caminhos
e covarde para não pedir ajuda.
Orgulho, não; covardia.
Porque não tenho coragem para ter orgulho.

Eu, dentro dos meus textos ocultos,
sou essa coragem em pessoa.
Destemida. Faço tudo o que quero.
Falo tudo o que penso.
Com quem eu preciso, quero ou simplesmente escolho.
Cartas?
Posso encher containeres e containeres...
de destinatários ilustres até os mais ilustres ainda.

Eu, dentro dos meus textos ocultos,
gozo, morro, navego oceanos, tudo isso
mais ou menos 3 vezes ao dia.
Sem cansar.

Sou incansável.
Minto... eu canso
(também sou mentirosa).
Mas quando canso, vou pra longe,
e o caminho pode ser percorrido
numa fração de pensamento.
Cansada?
Não mais.
Tenho um Dry Martini na mão.

Eu, dentro dos meus textos ocultos,
danço.
Danço maravilhosamente bem.
Danço tango.
Por toda noite.
Minhas pernas não têm fim,
assim como a noite, o vinho e desejo.

Eu, dentro dos meus textos ocultos,
desejo.
Desejo muito.
Desejo mais que o próprio desejo suporta desejar.
Mas eu agüento.
Eu agüento tudo.
Eu posso tudo.
Eu quero tudo.
E tudo é meu, por antecipação e bom senso.

Eu, dentro dos meus textos ocultos,
fui de muitos.
Fui de todos os que eu quis.
Fui desses eleitos das formas mais sensuais
que são possíveis nessa humanidade.
Todos os meus movimentos são curvos,
ternos e mortais como veneno.
E muitos já morreram em mim, e eu neles.

Eu, dentro dos meus textos ocultos,
disse tudo a todos.
Não há ressentimentos, mágoas, nada escondido, nada.
Por isso, não temo.
Falei o que senti para um,
falei o que não senti para outro,
ou sequer perdi meu tempo falando!
Nenhuma lacuna.
Mundo coeso.
Um bloco de concreto armado.
Que durará eternidades... cerca de 4 delas!

Eu, dentro dos meus textos ocultos,
viajo rumo ao sol, e minhas asas não derretem.
Quando começo a suar,
parto para um clima mais ameno.
Plutão - minhas melhores férias de inverno.
Eu posso ir e vir.
Sou Deus, Zeus, Nietzsche, enfim, todos juntos e aprimorados.

Eu, dentro dos meus textos ocultos,
escrevo.
Escrevo horrores!
Não textos como esse.
Escrevo textos bons.
Textos magníficos.
Textos fabulosos.
Textos que incendeiam pessoas, casas, carros, cidades, circos.
Eu movo exércitos.
Pra dentro do núcleo da terra.
Não que mereçam essa viagem, mas é que,
além de tudo isso,
eu também sou magnânima!

Eu, dentro dos meus textos ocultos,
sou o perfume.
Não "um" perfume.
Sou "o" perfume.
Por onde passo, eu permaneço,
cáustica.
Faço rombos no asfalto.
Dou despesa para a prefeitura!

Eu, dentro dos meus textos ocultos,
bato.
Eu soco rostos.
Rostos pelos quais ainda me esforço um pouco.
Perda de tempo.
Não importa.
O tempo sou eu que faço.
Posso bater até eu me enjoar.
Atiro, mato, roubo, corto cabeças, enfio facas.
Você já arrancou um olho com uma colher?

Eu, dentro dos meus textos ocultos,
vivo.
Vivo tudo.
Até o que não é permitido aos vivos.
Vivo o amor, vivo a morte.
Vivo os lugares que nunca fui.
Vivo as saudades que ainda não senti.
Vivo vidas num pretérito mais-que-perfeito.
Vivo presentes.
E vivo todos os futuros, porque os conheço.
Eles almoçaram comigo hoje.

Eu, dentro dos meus textos ocultos,
sou alguém muito além de mim mesma,
mas que, por este motivo, não pode existir
a não ser dentro desses textos ocultos.

Eu, dentro dos meus textos ocultos,
não faço poemas.
E nem fora deles.

 

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